Os trabalhos de Raquel Calviño, Francesca Faulin, Polly Hummel, Sofia Pacheco e Maria João Salgado, antigas alunas do Instituto de Produção Cultural e Imagem, podem ver-se junto aos de Deebo Barreiro e Alexandre Folgoso em «Postepisteme. Dissidències, argumentaris i transicions» uma das exposições de destaque do festival de Terrassa (Barcelona), com a curadoria de Vítor Nieves.
O Festival Internacional de Fotografía Contemporâna Emotiva, dá um grande destaque para a fotografia portuguesa na presente edição, numa exposição colectiva no centro da cidade barcelonesa. A exposição pretende mapear a emergência de um conjunto de discursos e práticas artísticas com forte ligação às lutas de libertação, superação ou aceitação pessoal, todos eles atravessados por diferentes estigmas identitários, mas com vivências e resoluções semelhantes.
Sem pretensão de criar um glossário de reivindicações nem chamar a atenção à normatividade, abre um espaço de reflexão em meio a um arquivo efêmero que resgata e mantém um legado de ações e ativismos e torna visíveis as histórias pessoais dos e das artistas.
Ao longo da experiência expositiva contemplamos vozes individuais que desafiam o inabalável conhecimento científico e o pensamento normalizado e normativizante. Projetos artísticos que, a partir do íntimo, criam novas genealogias, enfraquecem fortes pilares, questionam o institucionalizado e tornam visíveis debates e colectivos.
Assim que mergulhamos na experiência expositiva, encontramos o projeto de Polly Hummel, um projeto poliédrico (pois poliédrica é a autora) que nos mostra o difícil percurso da busca de identidade e autoaceitação por caminhos estreitos para chegar à assunção e, portanto, a felicidade. A autora alimenta o projeto com imagens do passado de que se apropria fazendo novas leituras com as quais cria, num convívio com fotografias da sua autoria, um catálogo de memórias e ícones para sustentar um novo ‘eu’.
Os dois projetos a seguir têm em comum a busca da autonomia pessoal após um acidente emocional traumático, no caso de Raquel Calviño, causado pela morte, e no caso de Maria João Salgado, pelo desamor.
Calviño apresenta uma história autobiográfica, seja fiel à memória ou ficcional, iconoclasta com as memórias ou terapêutica. Nele, uma Raquel e mil raqueles são despidas. Os poderosos conceitos que são trabalhados nas suas imagens são unipessoais e saem da mochila vital da autora para serem universais e extrapoláveis para qualquer um/a.
Salgado, com uma marcada linguagem documental, mas da mais profunda intimidade, transforma em imagens os estados emocionais de um processo de desamor. Conceitos que, mesmo envoltos num imaginário pessoal, conseguem ir além da narrativa unívoca de si para falar da universalidade dos sentimentos, daquilo que é comum a toda a humanidade, daquilo que nos une e nos atravessa transversalmente, da corporeidade individual à massa coletiva.
Francesca Faulin tem em comum com Polly Hummel a apropriação de fotografias do álbum de família, mas com uma fatura radicalmente diferente. O seu projeto nasce da necessidade de processar e interiorizar as dinâmicas familiares. É a história das mulheres da sua família que, ao longo de quatro gerações, seguiram ciclos com semelhanças peculiares, alternando entre a rebeldia e a submissão ao papel imposto de mãe e dona de casa. A autora será a primeira dessas mulheres a implodir a constelação familiar, questionando o papel atribuído pelo patriarcado e desconstruindo o que herdou das suas antepassadas.
A obra de Sofía Pacheco, Deebo Barreiro e Alexandre Folgoso mergulha no corpo e nas suas identidades. Pacheco apresenta-nos um vídeo em que se debruça sobre os corpos e as suas formas, o seu movimento e a sua capacidade performativa. A autora atinge com eles uma espécie de intimidade com a qual consegue abstraí-los da aprendizagem semiótica normativa e distancia-os da carga da cinemática social.
«Postepisteme. Dissidències, argumentaris i transicions», que pode ser visitada até 11 de Dezembro de 2022, reune a obra de artistas da Galiza e de Portugal, o que na Catalunha se conhece como ‘Fotografia Atlântica’, e, em palavras do seu curador, Vítor Nieves, «mostra um compromisso com a dissidência e o conhecimento subversivo, um feixe de argumentos e memórias políticas daqueles que lutam diariamente nos interstícios da episteme.